A Justiça italiana condenou na última semana dois magnatas a 16 anos de prisão
por exporem funcionários e pessoas comuns ao amianto, provocando a morte de
quase 2 mil indivíduos. Enquanto isso, no Brasil, a história é diferente: os
divulgadores dos males do produto veem nos “banco dos réus”. O lobby para
manter o item é forte no País e não hesita em atacar.
Por Gabriel Bonis, em Carta Capital
“Somos
processados ao longo dos anos e recebo ameaças de todas as formas”, denuncia
Fernanda Giannasi, auditora fiscal do Ministério do Trabalho e fundadora da
Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea). “É uma inversão de
valores, aqui os julgados são as pessoas que defendem o banimento do amianto.”
Hermano
Castro, pneumologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, passa por uma
situação semelhante. Ele recebeu uma interpelação judicial por declarações de
2008 sobre dados do Ministério da Saúde relacionados a problemas causados pela
exposição ao amianto. “Isso é descabido, é uma inversão do ônus da prova, pois
não tenho que provar que o amianto mata. Isso é literatura médica, o Inca
inclusive afirma isso. Não sou eu quem diz.”
“Meu
único crime foi diagnosticar trabalhadores doentes no laboratório e alertar a
população para os riscos”, desabafa. E completa: “Eles deveriam ser
interpelados pelo Estado para justificar o uso do amianto. Eu não cometi crime
algum.”
O
material, aponta o médico, é considerado cancerígeno em todas as suas formas –
inclusive o crisoltina, usado no Brasil – desde o século XX.
Giannasi
destaca a dificuldade de se conseguir proibir no Brasil inteiro o uso do
amianto – São Paulo, por exemplo, já não permite desde 2007 a utilização de
qualquer variedade do item em seu território -, por causa das interferências de
lobistas. “A tolerância no Brasil é grande para estes desmandos.”
Segundo
a auditora, o setor do amianto possui influência em diversas partes da
sociedade brasileira para manter a Lei Federal nº 9055/95, que define sobre o
uso, extração e industrialização, entre outros aspectos, do amianto crisotila.
“É inconcebível pensar que um produto reconhecidamente cancerígeno e que já tem
substitutos continue sendo explorado no Brasil.”
No
Congresso, comenta, o setor exprime suas vontades por meio da bancada da
crisotila, composta principalmente por deputados de Goiás. Muitos dos quais
financiadas por empresas do amianto. “No Supremo, eles têm como advogado o
ex-ministro e ex-presidente do STF Maurício Côrreia (aposentado desde 2004).
Ele vem advogando há anos em favor do setor, foi dele a relatoria da primeira
lei de São Paulo como inconstitucional.”
“Há
também tentáculos dentro de universidades publicas e no Executivo. Nos
Ministérios de Minas e Energia e Desenvolvimento, Indústria e Comércio há
lobistas inseridos, inclusive nos quadros de funcionários. Há também sindicatos
e sindicalistas financiados pelo setor”, completa.
Castro
ainda destaca o equívoco da indústria em pregar o “uso seguro do amianto”,
possível apenas no interior das fábricas e nas minas de exploração do material.
“Quando uma telha, por exemplo, chega ao mercado, não há mais o controle sobre
o seu uso. Não é possível verificar se os trabalhadores que farão a instalação
vão usar máscaras.”
“O
uso seguro é uma falácia porque na prática cotidiana não vai acontecer”, afirma.
E completa: “Quem troca as pastilhas de freio em cada esquina deste País não
tem como se proteger e ainda estamos longe de uma meta de informação a ser
cumprida.”
Segundo
a Abrea, o item, proibido em mais de 50 países, é utilizado em quase 3 mil
produtos industriais, como telhas, caixas d’água, pastilhas e lonas para
freios.
A
Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que 125 milhões de pessoas convivem
com amianto no trabalho e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima
que 100 mil trabalhadores morram por ano devido a doenças relacionadas ao
amianto.